sexta-feira, 4 de junho de 2010

SÉRIE GRANDES CHEFES

FERRAN ADRIÀ


'APRENDO COM A VIDA E COM AS PESSOAS'

Um dos melhores Chefes de Cozinha do Mundo, apelidado por muitos de 'Grande Mágico', alvo de grandes reportagens nos jornais Le Monde, El País, revista Times, etc. Ferran Adrià é o Chefe do restaurante El Bulli, três estrelas Michelin, que tem três meses como tempo médio de espera para conseguir a reserva de uma mesa. Situado a duas horas de carro de Barcelona, Espanha, num lugar priveligiado, junto ao mar, na localidade de Rosas, foi Julí Soler, o sócio, quem adquiriu a Casa e conseguiu a primeira estrela Michelin para o restaurante, juntamente com o Chefe Jean-Louis Neichel, e passados dois anos, alacançou a segunda estrela. Hoje, Soler e Adrià preparam-se para abir uma Fundação, em Sant Benet del Bages, na qual existirá um laboratório de cozinha para conceber 'aquele menu degustação', que muda texturas, suportes e cria uma cadeia de intensas sensações oferecidas apenas seis meses por ano no restaurante El Bulli. Ferran Adrià faz-se acompanhar do irmão na cozinha, o Chefe Albert Adrià, e de outro 'Grande de Espanha', Oríol Castro, 'uma equipa muito crítica', segundo o próprio. Ao conversar com este 'gigante' da cozinha mundial, o que ressalta é a sensibildade, alguma timidez e a simplicidade de carácter, afinal, descobre-se que o sucesso se deve, como na maioria das vezes, ao trabalho, mas também à vida e às pessoas que o inspiram.
O que representa para si o facto do público e de muitos críticos de gastronomia verem, neste momento, a cozinha espanhola como uma das mais inovadoras, senão a mais inovadora, apontando como grande motivo o talento de Ferran Adrià?
'É sempre melhor que falem bem do que mal, todavia nós que trabalhamos naquilo que nos apaixona e não pensamos que seja bem assim.'


Gastronomia de investigação, laboratório do sabor, todas as ciências a envolver a cozinha, algo que as nossas mães e avós faziam quase por intuição e que era uma experiência gastronómica para os sentidos. Como pode explicar caminhos tão diferentes com um mesmo objectivo?
'A razão de neste momento a gastronomia ser tão diferente deve-se à evolução e avanço tecnológico que vivemos.'
Recorre aos serviços de investigadores de áreas como a química ou a física para cozinha.Estas disciplinas são necessárias à evolução da arte da culinária? A culinária é quase uma ciência para si?
'Não, não é uma ciência, mas a ciência pode trazer grandes avanços à cozinha.'
Quer falar-nos acerca do seu projecto do Monasterio de Sant Benet, o 'centro gastronómico de investigação' que está a construir?
'É uma Fundação - Centro Alicia, situada em Sant Benet del Bages, e será uma centro de investigação e desenvolvimento gastronómico e está previsto que inclua ONGs, laboratórios e outras Fundações, mas é um projecto a médio prazo.'

As pessoas esperam cada vez mais de Ferran Adrià, querem ser surpreendidos a cada vez que têm oportunidade de experimentar a sua cozinha. Isso representa uma pressão ou antes uma motivação suplementar? Existe algum receio de não conseguir corresponder às expectativas, de estas se tornarem asfixiantes?
'É sempre uma motivação superar-se e surpreender, mas não me asfixia.'
Para si o que significa ter uma boa classficação nos guias de gastronomia/restaurantes?
'Realmente estou satisfeito com a classificação que tem El Bulli nos guias e que também representa um reconhecimento do trabalho de muitos anos, mas quando se entra nos guias, tem de se estar preparado para tudo porque se diminuem a classificação é preciso encará-lo com sensatez, lúcidez e tentar lutar e superar-se mais uma vez.'
Qual é a principal inspiração para as suas criações culinárias? Existem lugares ou mesmo pessoas que o motivam e ajudam?
'A minha principal inspiração é a vida em si, mas também a leitura e as viagens, etc. Depois tenho um restaurante em Barcelona, onde trabalhamos durante a temporada em que o restaurante El Bulli está fechado, dado que apenas abre durante seis meses, e depois tenho dois grandes colaboradores em termos de criatividade, que são Albert Adrià e Oríol Castro.'







O seu talento e trabalho deveriam ser razões mais do que suficientes para estar no 'negócio' da gastronomia, no entanto, quais eram as suas motivações quando dedicidiu escolher esta carreira?
'Não sei se o meu talento era para suficiente par seguir esta via, mas quando descobri que a cozinha era a minha autêntica paixão, comecei a trabalhar e tudo mais foi progresso e fruto do meu trabalho.'

Para estudar as novas técnicas tem uma biblioteca gigante, gastronómica e não só? Existe um livro que considere imprescindível?

'Aprendo com a própria vida, com as pessoas, com os contactos que tenho diariamente, mas, claro, também com os livros. Tenho uma biblioteca de mais de 3000 livros sobre gastronomia.'

Para cozinhar é preciso provar. Treina a memória dos sabores, os sentidos, para alcançar um resultado equilibrado?



'Existe treino, é verdade, ou antes existe trabalho, porque se pensarmos na aprendizagem no campo das provas de vinho, por exemplo, o mesmo método também se aplica na cozinha. E não podemos esquecer que o gosto pessoal também influencia o resultado.'
Ao observarmos a estética da cozinha de Ferran Adrià, encontramos aspectos similares à cozinha japonesa, é assim? Qual a sua cozinha preferida no mundo?
'Gosto da estética e do estilo da cozinha japonesa.O lado minimalista daquela cozinha também se encontra na minha. Gosto da cozinha do Japão, da China, também do Peru, mas tenho um gosto especial pela cozinha catalã. No fundo, sou um cozinheiro do mundo.'
Qual é a sua opinião sobre a cozinha tradicional espanhola? Tenta criar pratos baseados na cozinha da Catalunha?

'Adoro a cozinha tradicional e é uma das minhas referências.'

Muitas pessoas dizem 'Quero entender El Bulli' porque a experiência gastronómica é tão intensa para os sentidos que necessitam de orientação. Como explicaria o restaurante El Bulli?

'Para o entender aconselho, desde já, os meus últimos livros com mais de cinco mil páginas sobre o meu trabalho. Mas antes de mais penso que para entender El Bulli é preciso saber desfrutá-lo em pleno, é preciso deixar-se levar e sentir as emoções que proporciona.'

Como prepara a ordem dos pratos que servem no restaurante El Bulli?

'São entre 25 a 30 propostas, pequenas porções. Elaboramos um Menu Degustação de acordo como meu estilo pessoal e da minha equipa criativa.'



Quantas vezes testam uma nova sugestão antes de fazer parte do menu?
'Depende, vinte vezes em alguns casos e noutros conseguimos que fique equilibrado à primeira. O que fazemos muito é discuti-los muito antes de serem aprovados.'

Existe alguma criação que associe a si?

'Não. Nos meus livros, recentemente lançados, decidi dividir o meu percurso em três épocas distintas, 83-93, 94-97 e 98-02, celebrando 20 anos de trabalho de El Bulli, comigo e Julí Soler, em que estão todas as receitas explicadas e organizadas por ano de criação. Agora associar um determinado prato a mim é muito difícil porque foram tantos que não me consigo lembrar de muitos deles.'


Para si é difícil perceber alguém que não tem o culto da mesa?


'Não. Existem muitas coisas que também não me interessam minimamente e isso não me incomoda, como não me incomoda alguém que não dê importância à cozinha.'
Tem alguém na família, além do seu irmão o Chefe Albert Adriá, que goste de cozinhar?
'Não, aliás, a minha mãe e o meu pai cozinhavam muito mal.'
Julí Soler, seu sócio no restaurante El Bulli, que já possuía uma estrela Michelin quando resolveu passar-lhe a responsablidade de o tornar Chefe Executivo. Como foram esses primerios tempos, sentiu a peso da responsabilidade?
'Não nada. Era muito jovem e não tinha ideia nenhuma sobre a responsabilidade que representava aquela oportunidade, de maneira nenhuma.'

O que representa para si fazer equipa com Albert Adrià e Oríol Castro?
'São imprescindíveis. Sem eles não conseguiria o trabalho que tenho conseguido.'

Sente que seria possível ter um segundo El Bulli, e seguir um tipo de gestão de carreira como Alain Ducasse?
'Penso que não porque apesar de admirar o trabalho do Chefe Alain Ducasse, penso em ter um futuro mais tranquilo.Mas admiro a capacidade de trabalho dele.'

Qual é a sua opinião sobre as cópias no mundo da cozinha, tendo em conta que também é um negócio?
'É natural que as pessoas aproveitem os conhecimentos e criações dos outros. Não me incomóda, sobretudo se for o número um mundial que me copia, até me sentiria orgulhoso.'

Como será a próxima temporada no El Bulli? Já tem algumas ideias novas?
'Algumas sim, mas não posso ainda revelá-las.'

Para si qual é o limite entre a química e a gastronomia?
'Não misturo química e gastronomia, mas apenas aproveito para conhecer as reacções que os ingredientes podem ter em determinadas condições. Também é uma questão de evolução. Da mesma forma que a electricidade subitituiu o gás. É inevitável e é uma questão de sofisticação.'

Que tipo de pessoa trabalham consigo: cientistas, químicos, físicos...?
'Tenho comigo quatro cozinheiros e uma pessoa da área científica.'

Tem alguém em quem confia especialmente em termos de crítica ou em termos de aconselhamento?
'São todos muito críticos e o meu irmão especialmente.'

Como são os tempos livres de Ferran Adrià ou será que para ter êxito é necessário 'respirar cozinha 24 horas'?
'A verdade é que disponho de muito pouco tempo livre, todavia para mim não é nenhum esforço respirar cozinha 24 horas já que a cozinha é a minha grande paixão.'

O que pensa da cozinha portugesa. Conhece, gosta particularmente de algum Chefe?
'Não conheço a cozinha portuguesa e é algo que tenho de remediar. Estive quatro vezes em Lisboa, mas as viagens são sempre tão rápidas que não consego um contacto próximo com a cozinha portuguesa. Falei com Chefes, mas não me recordo dos nomes.'

Como Chefe e como homem também, qual é o seu maior sonho?
'Ter tempo para estudar, mas também ter algum tempo livre.'

UMA PERGUNTA A JULÍ SOLER



















Julí Soler e Ferran Adrià foram os pioneiros desta aventura gastronómica que é El Bulli e que se transformou num negócio de peso. Lembra-se como e porquê começaram e quais eram as vossas expectativas?
'Depois da minha chegada a El Bulli em 1981 e depois de já ter mantido dois anos e meio uma linha de alta cozinha com profissionais franceses, a chegada de Ferran seria o início de uma grande mudança. Com apenas seis meses de trabalho no El Bulli propu-lo como Chefe e, em 1985, inciámos juntos, com ilusão, e com o propósito de fazer felizes os clientes. Era um projecto de um restaurante onde acima de elitismos, esquemas e disciplinas convencionais, nos interessava mais a liberdade tanto na hora de conceber, apresentar e, sobretudo, na forma dos clientes perceberem o nosso trabalho.Sempre em equipa, rodeados de pessoas, formando mais uma família mais que uma empresa, os nossos colaboradores ajudaram-nos e acompanharam o nosso esforço.Autofinanciados, em 1990 convertemo-nos em empresa e depois de empreender obras de melhoria geral, desde o jardim à nova cozinha, em 1994 adquirimos o terreno, para seguir, trabalhando até aos dias de hoje, com todas as nossas forças, apenas com um objectivo: fazer felizes os nossos clientes e amigos.'

Se você deseja conhecer o restaurante do chefe FERRAN ADRIÀ clique aqui.