sábado, 5 de junho de 2010

SÉRIE ARTE E SABOR

Gérard Poulard _ Maître Fromagier




O saber da escolha


Gérard Poulard, Maître fromagier, passou por Portugal, apresentando uma pequena parcela do maior embaixador da cultura francesa, os queijos. Trouxe 110 variedades consigo e deixou algumas recomendações para melhor degustar o produto.

O Maître fromagier, Gérard Poulard, esteve em Portugal, no Hotel Pestana Palace, para mostrar uma variedade de 110 queijos, que trouxe consigo de França. Na sua próxima visita, espera trazer mais, já que a França tem uma produção de cercad de 1800 variedades. Para a apresentação, contou com o patrocínio da TAP e da embaixada de França.

Nascido em Lyon, começou a trabalhar aos 14 anos, na hotelaria. Tem formação de cozinheiro. Deixou a cozinha por questões de saúde e foi para a sala. Lá exerceu todas as funções, até descobrir a sua vocação, dando asas à sua paixão pelos queijos.

«Tive a ideia de cuidar do queijo». Uma ideia que fez rir alguns colegas de trabalho, mas que só lhe deu mais motivação para seguir com o projecto. Foi no hotel Le Meridien, em Paris, que expôs a mesa de queijo, única classificada no guia Michelin. Apresentou logo algo de original: juntamente com os queijos adicionou todas as informações que o identificassem, desde a origem à produção em si. «Fiz tudo por iniciativa própria, sem pedir nada a ninguém».

Na cozinha do Pestana Palace, apresentou queijos raros, que quase não se encontram no mercado. “Cône du Morvan”, um queijo de cabra que ganha bolor. Esse bolor é o mesmo que encontramos no salpicão, por exemplo. Mesmo o cheiro do queijo é igual ao do salpicão e da charcutaria. Apresentou também o chamado anel de Deus, que é um queijo de cabra. De acordo com o Maître, os queijos de cabra, que vêm da região de Provence são trabalhados com lavanda, combinam com vinhos brancos portugueses. O “Epoisses” é um queijo DOP (Denominação de Origem Protegida), que existe há muitos anos. É da Borgonha e é um queijo que combina na perfeição com os vinhos portugueses com corpo. No entanto, lamentou-se por não encontrar nos restaurantes, «uma apresentação de cerca de 20/30 queijos. Infelizmente os restaurantes não o fazem, porque é bastante caro». Por esse motivo é que provavelmente não há lojas de queijarias em Portugal, porque com as taxas incluídas, o produto tornar-se-ia muito caro.



O que é um Maître fromagier?
Ser fromagier corresponde ao sommelier do vinho, mas desta feita em relação aos queijos. Isto significa que se faz um acompanhamento da produção desde a selecção não só do leite, mas de toda a alimentação, a ração do animal. O Maître fez questão de sublinhar que a questão da alimentação é fundamental, porque é através dela que o leite varia, e daí a variação na produção dos queijos. Por exemplo, a erva é importante, as estações do ano são importantes, até mesmo a composição do solo tem importância na produção de um bom queijo, porque em função do solo, a erva pode ser completamente diferente, tal como aliás acontece com o vinho. Gérard Poulard é portanto categórico na afirmação que acompanha toda a
produção do queijo. O produtor está sempre em primeiro plano. O objectivo do fromagier é dar uma identidade ao produto. «Nós [fromagiers] colocamos uma carta de identidade ao produto. É aqui que podemos diferenciar um fromager de um fromagier. O fromager apenas produz o queijo, sem ter em conta todos os requisitos que nós, fromagiers, temos».

Pois além de vender queijo, a função do fromagier também engloba missões culturais, como ir ao estrangeiro, onde fazem associações com os produtos locais. «Aqui em Portugal, associámos ao vinho. Na China, por exemplo, associamos, curiosamente, com o chá». Mesmo que isso possa fazer sorrir alguns franceses, a verdade, reafirmou o Maître, é que o chá combina na perfeição com os queijos.

Organizam eventos, onde põem à disposição pacotes com os produtos. Depois cabe ao restaurador revender esse pacote, individualmente. Fazem um lote, com um determinado preço, que depois é aceite ou não. Afirma que os seus principais clientes são cadeias hoteleiras, companhias aéreas e empresas privadas. No entanto, acrescenta, ainda, que «já aconteceu ir ao outro lado do mundo para realizar uma noitada». Já percorreu vários países e em Paris organizam noitadas, para eventos em que o tema central é o vinho e o queijo. «Tentamos sempre utilizar o do país onde estamos, não levamos vinhos, só se forem requisitados». No entanto, afirma que o objectivo não é o de destacar os vinhos franceses, mas sim o queijo.


Não há muitos fromagiers. Os franceses são os únicos, porque «fomos nós que registámos este nome, tal como o nome de sommelier do queijo». Têm o seu trabalho, com os produtos, concentrado em Ringis, Paris. Trabalham directamente com os produtores, que fornecem os queijos. Sabem como trabalham, uma vez que acompanham a produção. Também têm atenção ao processo de transporte, que deve ser extremamente cuidadoso: os queijos vão directamente da sua sede para os transportadores, onde são conservados nas melhores das condições. Depois são transportados por avião, directamente para o país de destino, devidamente embalados.

Apresentar um queijo
Quem apresenta os queijos também deve ter formação, deve saber de onde vem o queijo que está a vender, conseguindo falar sobre ele. É preciso depois tratar e cuidar dos queijos. Não podem misturar os queijos todos, por exemplo.

Não pode ser o sommelier, porque ele trata é do vinho. Não pode ser a cozinha também, porque não têm tempo para isso. O serviço de sala é que deve ter essa preocupação. Deve ser o Chefe de mesa, por exemplo, a fazê-lo. Duas dezenas de queijos são o suficiente.


Confrontado com a questão da gordura no queijo, afirma exasperado que «não se pode confundir tudo». O queijo tem 45% de matéria gorda, depois depende da concentração. Não podemos misturar a medicina e os queijos. Pode haver pessoas que não possam comer queijos, mas são casos pontuais. Mas para quem quer ter esses cuidados todos, o queijo de cabra é melhor que o de vaca. Porque, no caso do queijo de vaca, guardamos toda a gordura.

Descoberta da cultura francesa

Uma vez que a França tem uma produção de cerca de 1800 variedades de queijos, o que o Maître se propôs foi uma apresentação de uma parte considerável que a cultura francesa encerra. Afinal a França é conhecida pelos seus queijos. Os queijos DOP garantem um savoir-faire e a região. A qualidade já é outra coisa. É preciso ler as etiquetas. É importante que o consumidor pergunte qual a origem do queijo que está a consumir.

A identificação de um bom queijo
Na identificação de um bom queijo, Gérard Poulard faz sempre um paralelismo com o vinho, porque os procedimentos são os mesmos. Quando um escanção agarra num copo de vinho e o observa, o mesmo faz o fromagier com o queijo. «Quando temos um queijo em frente, temos de trabalhar todos os nossos sentidos». Em primeiro lugar olha-se e procura-se identificar o que não está bem. Cita o exemplo do camambert que não pode ser pegajoso, nem viscoso, por exemplo. «Depois da observação, agarramos, sempre que possível, e analisamos a textura».
Em seguida corta-se. Há uma maneira para o fazer, parte-se sempre do centro para o exterior. É assim a boa maneira de cortar um queijo. Não pode ser uma faca de dentes, mas sim uma faca com uma lâmina fina. Também, não se pode retirar a casca.
Para degustação, o processo é diferente. Corta-se a meio, para ver de que categoria é e se não há nenhuma anomalia na massa. Aqui tudo depende do tipo de queijo. Para o “Époisses”, por exemplo, a massa deve colar à faca. Para o camembert e o queijo de cabra, já não pode colar à faca. «É muito importante escolher uma boa faca para cortar. Tal como nos vinhos, é preciso um bom saca-rolhas, para não estragar». Já para um queijo pasteurizado, não é preciso todos estes requisitos.
Depois disto tudo, há um barómetro na cor. Para o quejo de cabra, é sempre branco. Para os de vaca, é cor marfim. A massa também deve ser cheirada, «é aqui que somos sommeliers». Os cheiros à superfície não correspondem à massa. Há uma grande finesse na matéria interior, enquanto que a crosta é mais rústica.



As recomendações do Maître

Para degustar um queijo, não se deve escolher grandes vinhos. Poquê? «Porque é uma pena tanto para o vinho, como para o queijo», explica. O melhor é escolher um vinho razoável. Um bom vinho, como um vinho branco para os queijos de cabra.
Os vinhos tintos combinam na perfeição com queijos com carácter, como o “Epoisses”, por exemplo. Também se pode beber cerveja com queijos do Norte. A cidra combina com alguns queijos. Mas já o Champanhe é absolutamente proibido com o queijo. O champanhe é um vinho de festa. «É ridículo beber champanhe com a sobremesa, por exemplo». Já o vinho do Porto combina na perfeição com os queijos bleus (os que têm bolor, por exemplo).